Recuperando o Cristianismo Experiencial.
Autor: Rev. Prof. Dr. Sherman
Isbell. Traduzido e adaptado por: Rev. Prof. Dr.
Albuquerque G. C.
A religião experimental, que já foi uma parte vital da tradição reformada de pregação e espiritualidade, em grande parte foi perdida de vista em nossos dias. Mesmo o uso do termo experimental em conexão com a religião não é mais habitual, sendo mais comumente associado às ciências naturais, onde um método de sondagem e investigação leva a uma compreensão da realidade. Os escritores reformados mais antigos usavam a palavra para indicar que não apenas lemos e confessamos o que as Escrituras ensinam, mas também somos capacitados pelo Espírito Santo em nossa própria experiência para provar e experimentar essas verdades. As proposições das Escrituras são verdadeiras independentemente de nossa experiência delas. Mas naqueles que pertencem a Cristo, há uma obra do Espírito Santo para persuadi-los dessas verdades, para que provem e sintam o poder delas em suas próprias almas.
Tremer quando discernimos
nossa culpa diante de Deus, e ser levado a buscar cobertura no sangue de
Cristo, é obter um conhecimento experimental das realidades reveladas nas
Escrituras. Tais experiências não são como o tatear dos pagãos, que refletem
sobre o mistério de seus próprios corações, tentando entender a si mesmos e
ponderando como Deus pode ser e como ele pode se relacionar com o mundo. A
religião experimental na tradição reformada implica uma experiência que surge
do confronto com o testemunho da Escritura, e na qual o motor principal é Deus
Espírito Santo, levando ao coração e à consciência as verdades da Palavra de
Deus.
John Elias, pregando no País de Gales no início do século XIX, descreve tais experiências da verdade bíblica: “Ter um conhecimento experimental de algo significa experimentá-lo, possuí-lo e desfrutá-lo em nós mesmos. Você não deve meramente ler ou ouvir sobre isso... Você pode ler muitos capítulos doces sobre Cristo, e sem dúvida você já ouviu muitos sermões fiéis sobre Ele, e ainda assim, você pode estar sem um conhecimento salvador de Cristo. Mas um conhecimento experimental dele é provar, ver e sentir o que você leu e ouviu sobre Ele”.
Anthony
Burgess, membro da Assembleia de Westminster, fala do conhecimento que um homem
pode adquirir sobre países estrangeiros olhando para um mapa. Mas o
conhecimento do mapa não se compara a ir ao campo, escalar suas montanhas,
nadar em seus rios e caminhar pelas ruas de suas cidades. “Ou como a Rainha de
Sabá, que ouviu rumores sobre a sabedoria de Salomão, quando ela veio a ter um
conhecimento experimental dele, então ela ficou surpresa e disse: Tudo o que
ela ouviu não era nada para o que ela viu... Mas como se deve temer, que muitos
tenham visto a divindade, mas apenas no mapa, eles nunca tiveram a experiência
da coisa em si. Quantos há que falam de conversão ou arrependimento, como fazem
os homens de dar à luz um filho, que nunca experimentou as pulsações e dores
que então são suportadas pelas mães.
Paulo, quanto tempo ele viveu em um caminho de deveres religiosos, mas quando ele veio ter um trabalho experimental sobre ele, ele morreu, enquanto ele estava vivo antes, ou seja, ele se deu conta do estado condenável e perigoso em que se encontrava, enquanto ele tinha grande confiança em sua boa vida e salvação antes. E assim é com todo homem que obteve conhecimento experimental; ai! (disse ele); eu estava vivo uma vez, eu me achava alguém, quando eu podia orar, escrever sermões, discutir com tanta compreensão, mas agora vejo que não sabia o que era essa fé, ou piedade, que eu discuti tanto sobre eu nunca soube nada de Deus, ou de suas obras graciosas até agora, dirá essa alma. tornou-se consciente do estado condenável e perigoso em que se encontrava, ao passo que antes tinha grande confiança em sua boa vida e salvação.
Há uma passagem memorável em que JC Ryle insiste com seus leitores sobre a distância entre a crença de que há perdão e a recepção pela fé desse perdão. “Você acredita que talvez haja perdão dos pecados. Você acredita que Cristo morreu pelos pecadores e que oferece perdão aos mais ímpios. Mas você está perdoado? De que adianta ao doente que o médico lhe ofereça um remédio, se ele apenas olha para ele e não o engole? A menos que você se apegue à sua própria alma, você certamente estará perdido como se não houvesse perdão algum... Deve haver negócios reais entre você e Cristo”.
Portanto, pregamos não
apenas o que Cristo fez uma vez em sua morte e ressurreição para realizar nossa
redenção, ou seja, o que ele fez fora de nós, mas também como Cristo agora opera
em nossos corações por seu Espírito Santo para aplicar essa redenção. O
Espírito nos leva a apreciar Cristo como a pérola de grande valor. Ele derruba
a oposição de nossos corações e nos leva adiante em arrependimento.
No conflito resultante, luta e agitação em nossa experiência, o Espírito progressivamente nos conforma a Cristo. Tudo isso toca o reino de nossa consciência, nossos desejos e escolhas, nossos afetos, alegrias e tristezas, e coisas sentidas e conhecidas experimentalmente.
Assim, dou uma olhada de perto em mim mesmo, observando se as verdades reveladas nas Escrituras sobre a santidade de Deus e seu justo desagrado contra o pecado suscitaram em mim uma resposta. Considero a imensa generosidade e misericórdia de Deus na provisão do evangelho para os ímpios, e me pergunto: Que constrangimento sinto por tal bondade, pela qual Deus está me cortejando no evangelho? Existe discernimento em minha vida e pensamento que espiritualidade, arrependimento e amor que as Escrituras indicam serão encontrados em um verdadeiro filho de Deus?
Um aspecto proeminente do
ministério de Cristo foi que ele despertou seus ouvintes para irem além de uma
consideração superficial de seu reino, desafiando os aspirantes a discípulos
quanto à sua prontidão para aceitar o que estava envolvido em segui-lo, e sondando
se seus corações estavam realmente alienados do mundo (Mateus 7:21-23, Marcos
10:17-22, Lucas 9:57-62 e 14:25-33). Examinar a nós mesmos se realmente
pertencemos a Cristo pode ser doloroso, e pode nos levar à descoberta de que não
manifestamos as características presentes em quem está salvificamente unido a
Cristo, mas, em última análise, também pode produzir o profundo conforto de uma
certeza bem fundamentada de nossa salvação.
Sob o impulso e o empurrão das perguntas sondadoras e repreensões de confronto encontradas nas Escrituras, somos levados a um ponto em que nos sentimos compelidos a resolver a questão, Minha fé e vida são fiéis ao que as Escrituras dizem que serão encontradas em um filho de Deus? A Escritura claramente nos chama a praticar tal auto-exame e nos fornece os critérios para realizá-lo. O povo de Deus deve acolher a pregação que estabeleça as marcas bíblicas da graça na vida de um crente, indicando traços de caráter que são encontrados apenas no regenerado e que, portanto, são evidências sólidas de conversão, e distinguindo-os de traços que podem aparecer tanto nos regenerados como nos não regenerados e, portanto, não fornecem base para avaliar se alguém veio (foi por Deus irresistivelmente atraído); a Cristo. Um objetivo dessa pregação é desenganar as pessoas que se entregam a uma esperança equivocada, e nos fornece os critérios para realizá-lo.
Tal pregação e auto-exame
eram aspectos proeminentes dos ministérios pastorais pelos quais os comissários
da Assembleia de Westminster eram famosos. Mas a apreciação pela religião
experimental tem se tornado cada vez mais rara nas igrejas presbiterianas que
honram as declarações teológicas e os diretórios de adoração e pregação
produzidos pela Assembleia. Há, sem dúvida, uma série de influências que trouxeram isso, mas uma causa
notável foi um movimento francamente conhecido entre seus defensores como
Neo-Calvinismo, isto é, o Calvinismo de uma forma um tanto alterada, com novas
respostas para algumas questões significativas. Um ponto em questão toca na definição
de conversão. Entender com precisão o que é ser convertido é uma questão muito
importante. De fato, O “neocalvinismo” apresentou uma definição mais
exteriorizada de conversão, vendo-a mais em termos do que confessamos, nossa
adesão à doutrina e visão de mundo cristãs e nosso lugar na igreja e em uma
família cristã.
O calvinismo mais antigo advertiu que muitos, apesar de manterem um apego público às afirmações doutrinárias da fé, podem nunca ter sido libertados da morte espiritual, que os jovens que crescem em um ambiente cristão muitas vezes ainda estão alienados de Deus no coração e que uma fé salvadora será acompanhada pela experiência da necessidade de Cristo e do poder do evangelho.
O movimento “neocalvinista”
foi uma resposta à crescente secularização da sociedade moderna, que descartou
o conceito de uma revelação autorizada e inerrante de Deus dada em linguagem
humana. O homem secular se propôs a identificar uma nova missão para a sociedade
humana, sem referência à doutrina cristã tradicional. O poder desse dilúvio
secularizante é intimidador. Podemos apreciar muito bem a sensação de crise que
motivou a réplica dada pelo “neocalvinismo” quando a secularização avançava
rapidamente na Europa há um século e meio. O mentor do “Neo-Calvinismo” foi um
historiador e político holandês, Guillaume Groen van Prinsterer, nascido em
1801. Ele é autor de um livro influente analisando as revoluções políticas que
se espalham pela Europa e procurou demonstrar que essa agitação estava
fundamentada em um espírito infiel as escrituras e fiel a filosofia
racionalista.
Sua avaliação deu origem na Holanda a um novo partido político, que ofereceu resistência a muitos dos frutos da secularização. O mais conhecido de seus discípulos foi o teólogo e político Abraham Kuyper, que liderou esse partido político e foi primeiro-ministro da Holanda de 1901 a 1905. De uma perspectiva reformada clássica, certamente é apropriado se opor ao secularismo. Mas a estratégia adotada pelo “neocalvinismo” nesse conflito implicou numa grande mudança no pensamento sobre conversão, que passou a ser confundido com tomar o partido da doutrina cristã nas guerras culturais, como se isso fosse uma indicação suficiente para saber se se tem um novo coração. Ao falhar em manter a distinção traçada por Calvino e os puritanos entre a mera adoção da doutrina bíblica e um conhecimento experimental dessas realidades, o “neocalvinismo” diluiu a espiritualidade das igrejas reformadas. Esforçando-se para enfrentar inimigos externos, os “neocalvinistas” empregaram um método que levou ao enfraquecimento interno da casa do Senhor.
Começaríamos notando um
ponto de concordância entre o neocalvinismo e o calvinismo mais antigo. Os dois
concordam em observar que ninguém está sem uma fidelidade espiritual. Ou alguém
tem um coração renovado pela graça, ou ainda está morto em delitos e pecados.
Além disso, entre esses dois tipos de pessoas, regeneradas e não regeneradas,
existe uma oposição espiritual, antipatia ou antítese em relação às coisas de
Deus. Até agora temos a sã doutrina reformada. Onde o modelo “neocalvinista”
se tornou problemático é em sua suposição de que essa antipatia ou antítese
entre o regenerado e o não regenerado será visível na adesão ou não a uma visão
de mundo cristã. No calvinismo mais antigo, era um lugar-comum que existem
multidões que professam as doutrinas da Bíblia e os valores cristãos
tradicionais, mas que ainda não foram trazidos da morte para a vida, e que um
grande número nas igrejas não tem uma antítese de coração para o mundo.
Uma coisa é professar que estamos do lado do Senhor com respeito à visão de mundo que defendemos, mas outra é experimentar uma crucificação para o mundo e suas concupiscências quando Deus renova o coração. A perspectiva mais antiga sustentava que uma nação deveria ser organizada com base em um reconhecimento coletivo da verdade da religião cristã. A população inteira abraçaria a visão de mundo ensinada nas Escrituras. As leis civis seriam estruturadas em conformidade com os padrões bíblicos de moralidade. A sociedade seria unificada e homogênea, e a constituição política abraçaria um fundamento cristão para a ordem social. Assim, os reformadores falaram tanto do primeiro quanto do segundo uso da lei de Deus. O primeiro uso da lei está na pregação da lei do púlpito, que serve para expor nosso pecado e nos mostrar nossa necessidade de Cristo como Salvador. O segundo uso da lei está na ordem civil, incorporando padrões bíblicos de moralidade em códigos públicos de conduta, de modo que os cidadãos sejam direcionados para, pelo menos, uma conformidade externa com a lei moral,
Mas embora o calvinismo
mais antigo entendesse que a lei moral deveria ter um papel formador para a
sociedade, não havia ilusão sobre o caráter espiritualmente misto da população
em uma sociedade declaradamente cristã. Reconheceu-se que, apesar da aceitação
virtualmente universal de uma cosmovisão bíblica em tais cenários, ainda
haveria em ação uma antítese
radical entre o regenerado e o não regenerado. Essa era a ordem social dentro
da qual os reformadores e puritanos realizavam seus ministérios. Eles sabiam
muito bem que massas de pessoas nessas sociedades aparentemente homogêneas não
haviam experimentado o novo nascimento, ou chegado à contrição pessoal pelo
pecado ou fugido para o Salvador em busca de libertação.
Os reformadores não identificaram o reino de Deus com as estruturas sociais da presente era, A abordagem do “neocalvinismo” para resistir aos frutos da secularização foi associada a um grande ajuste no pensamento sobre como um cristão se relaciona com a ordem social. Surgiu no ambiente do pluralismo moderno, que busca uma árdua competição de ideologias no mercado público de ideias. O “neocalvinismo” adaptou-se a este novo campo de jogo defendendo político-evangelicalista-ideológico; que os cristãos formem suas próprias instituições sociais para combater aquelas que promovem uma perspectiva secularista. Os cristãos deveriam desenvolver partidos políticos, sindicatos e escolas, cada um deles conscientemente baseado nos princípios de uma visão bíblica do mundo. Em um momento da história em que as sociedades ocidentais são supostamente moldadas para tolerar uma multiplicidade de visões de mundo, pode-se concluir que o “neocalvinismo” tinha poucas alternativas em relação a como uma visão de mundo bíblica poderia ser afirmada em tal cenário. No entanto, a resposta do neocalvinismo não foi totalmente inocente, em parte porque o neocalvinismo introduziu a suposição de que a participação nessas instituições distintamente cristãs era uma manifestação da antítese entre o regenerado e o não regenerado. Isso é confundir a adesão de um participante à visão de mundo cristã com o fato de ter um coração regenerado.
Este erro tem implicações
ainda mais sérias quando é aplicado à vida e prática da igreja. Kuyper
considerava os membros da congregação, incluindo as crianças, em estado de
graça desde o nascimento. A igreja, portanto, não é um lugar onde as pessoas
estão sendo trazidas para a salvação. A congregação não precisa ser advertida a
fugir da ira vindoura. Isso remove uma razão primária para pregar o evangelho
da justificação na congregação.
O chamado do evangelho deve ser dirigido antes, àqueles que não estão na igreja. De acordo com esse modelo, o que a igreja deve buscar entre aqueles sob seus cuidados não é sua conversão para uma nova vida em Cristo, mas sua nutrição na vida eterna que se presume que já possuam. A menos e até que os filhos da igreja deem uma indicação clara de repudiar a aliança, No entanto, o método bíblico de trazer pecadores a Cristo é confrontá-los com a lei e o evangelho, e com o chamado à fé e ao arrependimento. Nesse aspecto, as crianças não são diferentes dos adultos. A evidência de uma obra de graça salvadora será dada na resposta de uma criança à lei e ao evangelho. Visto que o sinal da aliança no batismo funciona como uma oferta de misericórdia estendida com referência particular a cada filho de um crente, e sem levar em conta a condição da criança como eleita ou reprovada, a base para concluir que tal criança tem, passou da morte para a vida encontra-se em sua resposta a este chamado; Embora a criança possa manifestar ortodoxia doutrinária e um comportamento moral, deve ser ensinada a disciplina do auto-exame, para que possa discernir em si as marcas indicativas de um coração renovado pela graça.
Archibald Alexander
adverte que: “Embora a graça de Deus possa ser comunicada a uma alma humana em
qualquer período de sua existência neste mundo, o fato é manifestamente que
muito poucos são renovados antes que o exercício da razão comece; e não muitos
na primeira infância. A maioria das pessoas que conhecemos cresceu sem dar
qualquer evidência decisiva de uma mudança de coração. Embora educados
religiosamente, eles demonstraram falta de amor a Deus e aversão às coisas espirituais”. O chamado à
fé e ao arrependimento deve ser dirigido às crianças na igreja, em
reconhecimento de que, embora não saibamos se uma criança é regenerada, não
ousamos negar-lhe os meios que Deus normalmente emprega para trazer pecadores a
si.
“A educação das crianças deve proceder com base no princípio de que estão em um estado não regenerado, até que apareçam claramente evidências de piedade, caso em que devem ser diligentemente acarinhadas e nutridas. Estes são os cordeiros de Cristo - 'pequeninos, que creem nele' - a quem ninguém deve ofender ou enganar sob o perigo de um terrível castigo. Mas, embora a educação religiosa das crianças deva proceder com base no fato de que são destituídas de graça, deve sempre ser usada como meio de graça. Cada lição, portanto, Em qualquer idade que um indivíduo seja regenerado, sua experiência de confiança consciente em Cristo não será sem convicção de sua culpa e maldade, o que o leva a abandonar a autoconfiança e descansar somente em Cristo para a salvação; Sua fé será uma fé que aprecia a necessidade de justificação.
Há um século, o teólogo
holandês Herman Bavinck teve a oportunidade de observar o efeito do “neocalvinismo”
na vida religiosa de seu país. Bavinck vinha de igrejas nas quais a religião
experimental havia sido acarinhada, mas que haviam sofrido uma nova influência
quando se fundiram com igrejas guiadas pela perspectiva de Kuyper. Bavinck
comentou o que se seguiu, em sua introdução a uma reimpressão dos sermões
altamente experimentais dos presbiterianos escoceses Ralph e Ebenezer Erskine:
“Aqui temos um elemento importante que está em grande parte faltando entre nós.
Sentimos falta deste conhecimento espiritual da alma. Parece que não sabemos
mais o que é pecado e graça, culpa e perdão, regeneração e conversão. Sabemos
dessas coisas em teoria, mas não as conhecemos mais na terrível realidade da
vida.” O que Bavinck testemunhou foi a ausência generalizada em sua geração de
algo parecido com a experiência que levou Lutero a clamar a Deus por misericórdia,
preocupado com o pecado e a culpa. Ainda se encontrava
justificação, fé e arrependimento confessados como doutrinas válidas, mas já
não se esperava que se refletissem nas experiências da alma na busca de Deus.
O conhecimento teórico da doutrina reformada veio a ser separado de um senso de necessidade pessoal de salvação. Houve um segundo erro de magnitude semelhante. A busca agressiva de uma agenda social e cultural a serviço de Deus passou a ser vista como um objetivo básico da vida do homem, com o cristão chamado a redimir a sociedade e a cultura da influência de princípios incrédulos. Os “neocalvinistas” tinham a intenção de promover um programa cultural que contrastasse com as visões de mundo opostas e que cada vez mais traria à luz a antipatia ou antítese subjacente entre o regenerado e o não regenerado. Chegou a ser sugerido que o caráter fundamental do envolvimento do homem com a cultura pode ser visto em um mandato que lhe foi dado na criação.
Este
desenvolvimento tem um pano de fundo na história pessoal de Kuyper, a principal
figura no surgimento do “neocalvinismo” Uma marca havia sido deixada nele pela
formação universitária que recebeu nas mãos de um sofisticado expoente da
filosofia moderna. Kuyper então entrou no ministério, e foi somente depois que foi
estabelecido como pastor que ele chegou à fé salvadora, em parte pela
influência de paroquianos que haviam discernido que seu ministro não estava
convertido.
Essas pessoas humildes evitavam muitos dos interesses dos culturalmente sofisticados, mas Kuyper era da opinião de que não havia necessidade de os crentes se afastarem das atividades culturais. Ele estava convencido de que a perspectiva deles seria aprimorada se eles entendessem como um cristão poderia aplicar os princípios bíblicos no campo da cultura.
Mas tal foi o ímpeto que o “neocalvinismo” deu à atividade cultural, que houve uma notável alteração na mensagem ouvida do púlpito. A pregação sobre a necessidade do novo nascimento, sobre o chamado à fé e ao arrependimento, sobre a justificação dos ímpios e sobre a busca da santificação pessoal, foi de certa forma substituída pela pregação que assume que a congregação já está regenerada, e que a necessidade da congregação é ser nutrida na missão cristã de transformar a sociedade e a cultura.
Que crítica deve ser
feita à afirmação “neocalvinista” de que o desenvolvimento da cultura é uma
tarefa primordial no serviço de Deus? Há algo atraente na proclamação de Kuyper
de que não há um sopro em toda a vida que Cristo não o tenha como seu. Não deve
haver discordância de que em todos os aspectos da vida devemos pensar e agir da
perspectiva da verdade revelada de Deus. Nossa vida intelectual, social e
cultural deve estar em conformidade e obediente às Escrituras.
Além disso, nossa fidelidade à Palavra de Deus nesses assuntos terá um efeito poderoso sobre os outros. Uma sociedade moldada por uma perspectiva bíblica sobre questões sociais e culturais é um poderoso instrumento para conter o pecado, para guiar os jovens a padrões sábios de conduta, O primeiro ponto de crítica ao mandato cultural diz respeito ao deslocamento da primazia da religião na vida do homem. Aqui está um afastamento significativo da tradição reformada clássica, que considerava todos os assuntos desta vida presente como subservientes aos interesses da religião, de modo que todas as instituições devem se unir para promover a religião como aquilo que é de importância final para a vida do homem. Por esta razão, a promoção da verdadeira religião era o objetivo não só da igreja, mas também da ordem civil. Os reformadores entendiam que o serviço mais elevado do homem, o maior acesso a Deus e o principal meio de promover a glória de Deus, era através da religião e do culto. A direção do pensamento de Kuyper é indicada por sua rejeição do conceito de uma religião estabelecida.
Deve ser evidente que ver
o objetivo da vida do homem em grande parte em termos de uma agenda social e
cultural não está de acordo com a Bíblia. Cultura e sociedade não têm tal
preeminência na narrativa e doutrina das Escrituras. É claro que muito é dito
nas Escrituras sobre vida familiar, justiça pública e outras formas de envolvimento
social, mas eles não são de forma alguma primários na mensagem das Escrituras.
Essa desproporção entre preocupação social e preocupação religiosa contribuiu
significativamente para o declínio da religião experimental e desviou o
pensamento dos cristãos do que a tradição reformada original considerava mais
vital para a vida da igreja, para a estabilidade espiritual e para a vida
social, devemos nos lembrar que os apóstolos de Cristo nunca reivindicaram uma
ordem cultural para a glória de Deus!!!
Qual é então a origem do interesse 100% predominante do “neocalvinismo” no progresso ideológico-cultural? A resposta, acreditamos, é que ela tomou esse interesse de um secularismo agressivo. Embora o “neocalvinismo” milite ideologicamente e se proponha pegar em armas (na América Latina); e “zelosamente a resistir ao secularismo” (um suposto comunismo hipotético); há uma questão fundamental em relação à qual ele recuou diante da filosofia iluminista, porque o “neocalvinismo” efetivamente abandonou a primazia da religião como objetivo da vida do homem. Ao fazer isso, o “neocalvinismo” capitulou à escolha do secularismo do campo no qual a disputa entre cristianismo e secularismo será travada, (os resultados serão terríveis); enquanto as partes discutiam sobre qual visão de mundo deveria guiar o desenvolvimento da cultura, eles concordavam que o objetivo da vida do homem não deveria ser visto em termos de religião.
Visto que o objetivo
principal do homem é glorificar a Deus e desfrutá-lo para sempre, sua orientação
adequada a Deus não é tão indireta que o homem possa se entregar
fundamentalmente aos negócios desta vida, embora com o argumento de que isso
seja feito em nome de Deus!!! O objetivo de sua vida é encontrado em Deus, e
não nesta criação. Somente o culto religioso e a comunhão da alma com Deus
podem dar acesso e intimidade de relacionamento com Deus que responde ao que é
último para o homem. Um segundo ponto de crítica contra o conceito do neocalvinismo
de um mandato cultural respeita sua exegese de Gênesis 1:28. Alega-se que a
linguagem sobre o domínio do homem implica um mandato para desenvolver o potencial oculto da
criação.
Embora a referência à multiplicação possa ser tomada como indicando o aumento das famílias, a referência ao preenchimento da terra e sua subjugação como a extensão da habitação humana sobre a terra e o cultivo do solo, e a referência ao exercício do domínio sobre os animais como implicando pastoreio, Kuyper apelou para o texto como inclusivo de todas as dimensões da vida social e cultural do homem. O versículo se tornou um dos mais importantes da Bíblia, um fundamento para identificar o chamado do homem ao longo da história, e talvez além. Suspeita-se que alguns textos são solicitados a suportar mais peso do que jamais deveriam ter, e quando isso acontece, sentimos que pressuposições (ideologias-socio-políticas); estão sendo trazidas de outro lugar e forçadas a um texto em vez de surgirem dele. De fato, Calvino parece estar completamente inconsciente de que a passagem seria vista como uma chave para a missão do homem na vida. Em vez disso, o reformador lê o texto como uma simples bênção de Deus, na qual a atenção é atraída para as riquezas da provisão de Deus para a humanidade, a quem ele dá abundância de alimentos, e permite o espaço geográfico no qual a raça poderia se expandir à medida que seu número aumentasse.
Uma terceira crítica ao
mandato cultural é que a forte orientação do “neocalvinismo” para este mundo
atual perde o caráter peregrino do crente, (o Filho do Homem não tinha onde
reclinar sua cabeça; já os “neocalvinistas” propõem que os cristãos se tornem
os donos do mundo capitalista); Calvino e os puritanos estavam
profundamente interessados no que a Bíblia ensina sobre vida familiar,
governo civil e relacionamentos piedosos em toda a sociedade. Mas sua
compreensão do que essas relações implicavam para a relação do cristão com este
mundo era bem diferente daquela do “neocalvinismo-político-ideológico”.
A visão mais antiga recebeu expressão clássica em A Cidade de Deus, de Agostinho, que é uma extensa reflexão sobre o declínio do mundo romano e o lugar do reino de Deus na presente era. Agostinho discerniu duas sociedades às quais os homens pertencem, que ele chamou de cidades. A cidade de Deus, composta pelos santos anjos e redimidos de Deus, está no céu. Alguns, que pela graça se tornaram seus cidadãos, são peregrinos nesta terra enquanto ainda estão a caminho da cidade celestial.
Esses
peregrinos são como os judeus exilados na Babilônia, desejando unir-se com seu
lar em outro lugar. Esta é a perspectiva adotada por Calvino: “Pois, se o céu é
nossa pátria, o que mais é a terra senão nosso lugar de exílio?” Agostinho
entendeu que a cidade de Deus não era o mesmo que a igreja cristã, pois apenas
alguns membros da igreja são peregrinos que viajam para a cidade celestial. A
outra cidade, que Agostinho chama de cidade terrena, é composta daqueles homens
e anjos que de coração são inimigos de Deus. Os homens desta cidade são
dominados pelos anjos que se afastaram de Deus e se tornaram demônios. Enquanto
os cidadãos da cidade de Deus são caracterizados pelo amor a Deus, a cidade terrena
é movida pelo amor egoísta.
A cidade terrena é a cidade na qual todos nascemos, embora pela graça possamos nos tornar cidadãos da celestial. E, no entanto, embora o peregrino suspire por um país distante, ele não foge da vida ao seu redor, sabendo que sua vida atual está inextricavelmente ligada à vida dos outros ao seu redor neste lugar longe de sua casa. Ele atualmente tem negócios neste mundo. Ele pode valorizar virtudes como patriotismo, amizade, fidelidade conjugal, paternidade responsável e um grau de justiça administrado por governantes civis, todos comuns aos cidadãos das duas cidades. Mas o peregrino reconhece que essas virtudes não são boas em sentido absoluto, porque estão maculadas por uma incredulidade e orgulho humano que se afastam do Criador e usam as coisas criadas sem gratidão a Deus como nosso benfeitor. E assim a divisão entre as duas cidades permanece, apesar da necessidade e vantagem de compartilhar a vida presente.
Aqui está um modelo que
expressa a ambivalência encontrada nas Escrituras sobre o lugar do crente no
mundo. Há aqueles dentro da igreja que não são cidadãos da cidade celestial, de
modo que adotar um conjunto de doutrinas não indica onde a divisão final deve
ser encontrada. Além disso, os cidadãos de ambas as cidades estão envolvidos no
cumprimento das responsabilidades que pertencem a esta vida presente. As instituições sociais
são úteis para restringir o mal e dar cumprimento externo à moralidade bíblica,
mas sua administração de justiça muitas vezes falhará, e elas ficam muito aquém
da justiça do reino celestial de Deus. As estruturas sociais da vida presente,
embora tenham a obrigação de promover a verdadeira religião, nunca representam
a vinda do reino de Deus. Assim, Agostinho não tem uma grande expectativa para
eles, os “neocalvinistas” têm vários nomes para esse ponto de vista. Eles
chamam isso de dualismo, maniqueísmo, pietismo e fuga do mundo.
Raramente eles a chamam de agostiniana ou calvinista, embora seja certamente a visão com o pedigree mais longo na tradição reformada. A questão maior permanece, é bíblico? Em passagens das Escrituras como Hebreus 11:8-16 e 13:10-14, e 1 Coríntios 7:29-31, a situação do crente é certamente considerada como a de um peregrino distante viajando para seu verdadeiro lar, embora tenha responsabilidades aqui, para o presente. O objetivo de sua vida encontra-se no que transcende esta criação.
O
neocalvinismo e a tradição reformada clássica representam dois conceitos
distintos da relação do cristão com este mundo, e historicamente um deles não tem
sido compatível com a religião experimental. Embora às vezes tenha havido e
haverá tentativas de formar um “cristão híbrido” a partir das duas tradições, o
fermento da nova perspectiva eventualmente militará contra a espiritualidade
experimental, fiel e 100% bíblica; podemos e devemos aguardar um grande derramamento
de sangue, principalmente nos países do terceiro
mundo onde as ideologias-politico-evangelicalistas de origem: pentecostal,
neopentecostal e carismática católica, estas fortemente produzidas e doutrinadas
em círculos sociais bastante restritos as massas humanas (ideológico-maçônicas);
e manipuladas pelos “neocalvinistas-maçônicos-extremistas”.
Notas
1.
John Elias, The
Experimental Knowledge of Christ e sermões adicionais de John Elias (1774-1841)
(Grand Rapids: Reformation Heritage Books, 2006), p. 27.
2.
Anthony Burgess, Spiritual
Refining: or a Treatise of Grace and Assurance (Londres: A. Miller para Thomas
Underhill, 1652), p. 5.
3.
John Charles Ryle, Old
Paths, sendo declarações claras sobre alguns dos assuntos mais importantes do
cristianismo (Cambridge: James Clarke & Co., 1977), pp. 204-205.
4.
Joel R. Beeke, Vivendo
para a Glória de Deus: Uma Introdução ao Calvinismo (Orlando: Reformation Trust
Publishing, 2008), p. 279.
5.
Archibald Alexander, Pensamentos
sobre a experiência religiosa (Londres: Banner of Truth Trust, 1967), pp.
13-14.
6.
Alexander, Pensamentos
sobre a experiência religiosa, 13.
7. C. Pronk, Neo-Calvinism (Millgrove: Free Reformed Student Society, 1994), p. 15.
8. João Calvino, Institutos da Religião Cristã, ed. John T. McNeill (Filadélfia: Westminster Press, 1975), III.viii.4, p. 716.
Autor: Rev. Prof. Dr. Sherman Isbell. Traduzido e adaptado por: Rev. Prof. Dr. Albuquerque G. C.
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